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Estudo: Covid-19 acentua desigualdades e piora condições de vida das populações migrantes

Publicado a 11/05/2021

Ilustração de Leonor Violeta para relatório “Populações Migrantes e Covid-19: perceções sobre o impacto da pandemia”

O estudo “Populações Migrantes e Covid-19: perceções sobre o impacto da pandemia” da ENSP-NOVA contou com a participação de 1091 migrantes, residentes na Área Metropolitana de Lisboa e envolveu diferentes nacionalidades e condições socioeconómicas, procurou analisar as perceções destas comunidades sobre o impacto da pandemia Covid-19 nas condições de vida, bem como na sua condição de saúde. Conclui que os efeitos desproporcionais da pandemia sobre alguns grupos de migrantes possam ter intensificado desigualdades sociais e de saúde, com potencial impacto na sua integração e no seu bem-estar.

O estudo revela que, desde o início da pandemia, 55,8% dos migrantes considera ter sido afetada negativamente nos seus rendimentos mensais e 52,9% na situação laboral. 32,4% dos inquiridos encontra-se em situação de desemprego, 55,8% perceciona uma pior condição financeira comparativamente ao período anterior à pandemia e 27,5% uma pior situação alimentar. Os dados demonstram que são os grupos socioeconomicamente mais vulneráveis que referem ter tido um maior impacto negativo da pandemia: mais de 65% das pessoas com rendimentos mensais inferiores a 650€ reportaram agravamento da situação laboral e dos rendimentos mensais, comparativamente a 37,9% e 42%, respetivamente, das que auferem entre 650€ e 999€ ou 27,7% e 29,4% das que têm rendimentos iguais ou superiores a 1000€. Também 32,7% das pessoas com menor nível de escolaridade reportaram agravamento da situação alimentar em casa, face a pessoas mais escolarizadas (ensino secundário – 28%; ensino superior – 22,3%).

Os dados mostram também desigualdades de género, sendo que são as mulheres quem mais refere estar em situação de desemprego ou a trabalhar a tempo parcial (51,7%), comparativamente com 40,5% dos homens, bem como 57,3% das mulheres perceciona um acentuar das dificuldades quanto à sua situação profissional, em comparação com 48,3% dos homens. Adicionalmente, 60,4% das mulheres inquiridas reportaram uma diminuição dos seus rendimentos mensais face a 50,9% dos homens. São assim as migrantes do sexo feminino quem mais reporta um impacto negativo na sua situação laboral, financeira e alimentar, nomeadamente quem mais frequentemente reporta rendimento mensal inferir a 650€, menor nível de escolaridade e/ou em situação irregular.

O estudo indica também um agravamento das condições de vida em grupos de migrantes em situação irregular. Aproximadamente 2 em cada 3 migrantes em situação irregular (66,7%) reporta um agravamento da sua situação financeira e 66,7% reportaram agravamento nos rendimentos mensais, face a 53% que se encontram em situação regular. Relativamente à situação alimentar, os resultados seguem o mesmo sentido.

Adicionalmente, a pandemia também veio potenciar situações de estigma e discriminação, sendo que 23% dos migrantes inquiridos reporta um agravamento desta experiência de estigma e discriminação, especialmente sobre os que se encontram em situação irregular.

No que diz respeito ao estado de saúde, 19,8% dos participantes reporta que a sua condição de saúde piorou com a pandemia. Nas mulheres 24,2% reportou nesse sentido (comparativamente a 15,1% dos homens), 36,4% dos idosos (comparativamente a 16,4% dos jovens com menos de 25 anos) e 22,9% dos migrantes com rendimento mensal inferior a 650€ (comparativamente a 14,7% dos com rendimentos superiores a 1000€).

“Os resultados deste estudo são preocupantes pois mostram que os grupos mais vulneráveis estão ainda mais expostos aos efeitos negativos da Covid-19, o que pode estar a agravar as desigualdades, não só ao nível da saúde, mas também ao nível social. E prevê-se que, nos próximos tempos, as fragilidades socioeconómicas já existentes se possam manter. É assim crucial intensificar os esforços nas estratégias de ação dirigidas a estas populações para mitigar os efeitos da pandemia nas suas condições de vida e de saúde, com enfoque na resposta às necessidades dos grupos mais vulneráveis” – reforça Sónia Dias, coordenadora do estudo e docente da ENSP-NOVA.

Ainda de salientar que, apesar do agravamento das condições de vida, cerca de 17,1% dos migrantes reconhece uma melhoria do apoio recebido por parte das organizações da sociedade civil, durante a pandemia. Segundo dirigentes e técnicos de associações de apoio a imigrantes que colaboraram no estudo, as comunidades migrantes com quem intervêm já lidavam com múltiplas vulnerabilidades, e a pandemia veio agravar essa realidade. Referem que várias pessoas sentiram o seu contexto tornar-se ainda mais precário, muitas ficaram sem trabalho e outras viram os seus rendimentos reduzidos. Assistiram a uma grande procura de apoios para alimentação, emprego, habitação e também para questões relacionadas com a legalização.

Em 2019, a população estrangeira representava 10,8% do total da população residente em Portugal. Entre 2018 e 2019, registou-se um aumento de 22,9% dos migrantes em situação regular no país (não existindo dados oficiais que permitam apurar o número de migrantes que não se encontram em situação regular).

Consulte o estudo:Populações Migrantes e Covid-19: perceções sobre o impacto da pandemia” [PDF 5MB]

 

Nota metodológica:

Os dados foram recolhidos por entrevista presencial entre agosto e dezembro de 2020 na Área Metropolitana de Lisboa, com recurso a entrevistadores fluentes nas línguas dos inquiridos. A amostra do estudo é constituída por 1091 respondentes (52,7% mulheres e 47,3% homens), 45,5% nasceu num dos PALOP, 28,9% num país do Médio Oriente ou do Sul da Ásia e 21,8% no Brasil, 66% encontra-se na faixa etária entre os 26 e os 45 anos e a grande maioria residente em Portugal há menos de 5 anos.

A equipa de investigação conta com a participação de Sónia Dias (Coordenação), Maria João Marques, Ana Gama, Ana Rita Pedro, Filipa Barreiros, Louíse Hoffmeister e Adalberto Campos Fernandes.